O produto do fracasso de Roberto Dinamite como presidente do Vasco não é apenas o desencanto de quem gostaria de ver ex-jogadores envolvidos na administração de clubes de futebol. Tampouco é a comprovação de que não basta ter sido esportista para almejar uma carreira em gestão esportiva, algo tão evidente que não carece de ilustração. O verdadeiro perigo moral gerado por Dinamite é a ideia de que só um tipo específico de dirigente pode sobreviver no futebol brasileiro, o que, no Vasco da Gama, é o equivalente a pintar o rosto de Eurico Miranda nos muros de São Januário.
É irônico, ou mesmo trágico, que os defeitos do formidável ex-centroavante como administrador tenham permitido o retorno da figura que representa um passado do qual o Vasco – ou qualquer outro clube que tenha convivido com personalidades semelhantes – deveria querer se distanciar. Porque Eurico Miranda voltou como uma vingança, como um rei deposto determinado a recuperar seu trono e mostrar aos que ousaram enfrentá-lo o equívoco que cometeram. A imagem de seu rosto nos contornos do clube certamente agradaria a quem pretende ser a face, a voz, os neurônios e intestinos de uma entidade que não lhe pertence.
Esse é o grande problema do modelo estabelecido no país. A estrutura política dos clubes proporciona a aparição de mandatários que sequestram a coletividade e aplicam a ela os valores que bem entendem. A cada manifestação pública do atual presidente, nota-se um “eu sou o Vasco” repetido em respostas sobre os mais variados temas, como se fosse uma questão de honra não ser questionado em nenhuma decisão, nenhuma posição, nenhum desejo. Aí está outra faceta da tragédia, pois o Vasco não é uma pessoa, e, se fosse, certamente não gostaria de ser Eurico Miranda.
Ocorre que simplesmente não é possível comandar uma instituição por intermédio do silenciamento de opiniões. O que tem acontecido no estádio de São Januário é a debacle de um dirigente retrógrado que acha que o clube deve personificá-lo. Não é surpreendente que as práticas sejam as mais condenáveis, com o uso de baderneiros para sufocar críticas a qualquer custo, mesmo que seja necessário afugentar quem apenas quer torcer pelo Vasco, aterrorizar crianças e depredar o que é de todos. Diante disso, sustentar a narrativa de que tudo não passa de ações com motivação política é previsível. São páginas do manual do déspota.
Fechar São Januário para quem não pensa como ele sempre foi um recurso de Eurico Miranda. Vale para jogadores, técnicos, veículos de comunicação. A derrota para o Flamengo marca – não como o início, mas como o retrato principal – o momento em que a torcida do Vasco também passou a sofrer essa restrição. Menos mal que a inevitável interdição evitará, por algum tempo, que o estádio se converta em um lançador de morteiros sempre que o time não vencer, pois essa é a noção de mando de campo que prevalece entre partidários do presidente. A disseminação do ódio não se importa nem mesmo com a morte.
Parabéns pelo texto. Muito bem escrito!
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