A COPA NÃO É DAS COPAS, É DAS EMOÇÕES

Pequenas coisas podem te emocionar em uma Copa do Mundo. Povos tão diversos, culturas várias, hábitos e crenças próprias, e a unidade humana de queixo erguido no meio disso. Esse laço, que trespassa as diferenças, é inquebrantável para os mais sensíveis. O desolamento do goleiro Akinfeev após a falha no gol sul-coreano dilacerou meu coração. Passei os minutos finais torcendo pela Rússia, pelo afago do destino no jogador. Queria vê-lo inteiro, erguido, aliviado. Pensei no quanto para ele era um sonho defender seu país na competição maior. Ali me senti seu parceiro, camarada, sem guerras frias e Sputniks a nos dividir. Eu era uma espécie de Raskolnikov, personagem célebre de Dostoievski, mordido pela culpa. A culpa humana. Minha compaixão com o sujeito nascido do outro lado do mundo, a solidariedade prevaleceu. O gol de Kerzhakov, admito, me deu paz à alma. Akinfeev, vi você de olhos cerrados no hino nacional. Tô contigo!
Enquanto era executado o hino nigeriano, meus olhos foram ficando marejados. Em meio àquele mar azul celeste e branco, sinal da invasão argentina a Porto Alegre, punhados de homens e mulheres vestidos de verde cantavam a plenos pulmões e agitavam pequenas bandeirinhas. Eu ouvi a alegria daquela imensa minoria de negros de um continente judiado que expressavam seu orgulho. Não entendi nada do que cantavam, mas senti tudo que sentiam. O símbolo daquilo era humano. O momento em que eles estavam na ribalta. Uma população de 175 milhões (estão admirados?) tendo voz. Minha emoção era de felicidade por eles poderem se expressar e ver seus heróis nacionais em campo. A fome, as guerras tribais e religiosas, nada daquilo era páreo em dado instante. Tô com vocês, meus amigos nigerianos!
É inadmissível para um jornalista esportivo dos tempos modernos, que deve conhecer até atletas do Campeonato da Tailândia, eu sei. Mas nunca tinha ouvido falar em Serey Die. No dia do jogo entre Costa do Marfim e Colômbia virei seu irmão de alma de imediato. Seu choro convulsivo no hino marfinense, com soluços, me arrepiou. Somo assim, bobinhos, os humanistas. Nos comovemos com pequenas imagens. Um homem também chora, e o faz quando pensa na sua terra, na sua gente, nas suas dores, na sua condição de ser vivente. As notas da canção pátria foram pesadas para seu coração. Mostrou-se gente como a gente. Não conteve a descarga de tanta emoção. Tô contigo, Serey Die!
Akinfeev, Serey Die e a torcida da Nigéria me emocionaram porque me fizeram, de alguma maneira, colocar em seus lugares. A frustração do goleiro, a comoção do volante e o orgulho de pertencimento da massa africana são sentimentos íntimos para nós, humanos. O local de nascimento é um detalhe perto das expressões que conhecemos e experimentamos no dia a dia aqui, na Rússia, na Costa do Marfim, na Nigéria ou em qualquer outro lugar. Não sei se está é a Copa das Copas, mas tem gerado emoção das emoções em corações sobressaltados. Isso fica até mais que os resultados em campo.