DENNER, 44!

O estilista Dener causou furor nos anos 70. Dentro e fora das passarelas.

Nos anos 90, o estilista Dener que levou a Portuguesa de Écio Pasca a fazer lindo na Taça SP de Juniores, em 1991, teve momentos de craque. Gols de Placa como o que fez contra o Santos, no Canindé, em uma vitória por 4 a 2. E, mais ainda, no magnífico golaço desde a intermediária contra a Inter de Limeira, no SP-91.

Os gols mais lindos que o Canindé viu vieram do pé direito daquele mirradinho que não driblava. “Ele desvia”, sentenciou Otacílio Gonçalves, que o treinou na Lusa e, antes, na Seleção Brasileira, como auxiliar de Falcão.

Dener que tinha bola para ter conquistado mais do muito que fez em tão pouco tempo.

Por problemas extracampo, e boa grana também para o clube, foi ídolo em 1993 no Grêmio. Em 1994, tricampeão no Rio pelo Vasco até escolher mal o destino: fechou negócio com o Stuttgart para onde se transferiu logo depois de uma Copa onde poderia ter estado se tivesse mantido a regularidade.

Na Alemanha, e num clube instável, Dener não se adaptou. Kleber Leite assumiu o Flamengo no começo de 1995 e trouxe Romário. Chamou Dener para fazer uma turma do barulho. Ainda mais com a chegada de Edmundo em maio. “O maior ataque do universo” ainda tinha Sávio pela esquerda. Era quase o delírio do caro colega Matinaz Suzuki em campo. Edmundo, Dener, Romário e Sávio! Mas a barriga de Renato Gaúcho impediu o sonho do RJ-95. Luxemburgo se desgastou demais com Romário – e também com Dener, que bateu de frente com Edmundo.

Felipão foi esperto. Trouxe Dener de volta para o Grêmio que acabara de conquistar a Libertadores-95. Mudando o esquema, dando liberdade para Dener encostar em Paulo Nunes e Jardel, segurando um pouco mais Carlos Miguel, o time demorou a se achar. Foi para Tóquio enfrentar o favoritíssimo Ajax de Van Gaal. Felipão preferiu deixar Dener no banco para lançar no segundo tempo. A expulsão de Rivarola comprometeu os planos dele. Nos pênaltis, deu a lógica. Ajax campeão. E Dener, irritado por não ter sido aproveitado, brigou com o treinador e pediu para sair.

A Parmalat o queria de todo jeito no Palmeiras. Luxemburgo, não. Não seria preciso naquele trem-bola de 1996. Dener foi emprestado ao Juventude. Jogou três meses e arrumou problemas na noite de Caxias. Foi suspenso. A Parmalat tinha propostas da Europa. Mas a fama de craque temperamental não ajudava. Com as saídas de Rivaldo e Muller no meio do ano, Luxemburgo topou trabalhar com Dener no Palmeiras.

Deram-se tão bem que ele voltou à seleção de Zagallo, no segundo semestre de 1996. Mas havia um Grêmio no meio do caminho do Palmeiras no BR-96. Dener não foi bem no mata-mata. A torcida pegou no pé. E o Excel, que assumia como parceiro do Corinthians, pagou até o que não tinha para levá-lo para o Parque São Jorge.

Foi campeão paulista em 1997 pelo Timão como protagonista de um elenco rachado. Mas melhor que os rivais. Ele e Marcelinho Carioca se toleravam. Quando o Pé de Anjo foi para o Valencia, Dener assumiu de vez o time que se perdeu em campo. Edilson chegou e dividiu funções, mesmo tão semelhantes. Foram fundamentais para garantir a permanência do Corinthians na Série A no BR-97.

Mas não a de Dener no Parque São Jorge. O Excel não mandava mais e muitos queriam mandar Dener embora. Marcelinho voltou ao Corinthians. O Valencia pensou em Dener. Mas o coração rubro-verde cantou mais alto. Além de Evair, Dener pintou no Canindé por empréstimo, com ajuda da FPF.

Foi um sucesso. O bem montado time de Candinho chegou às semifinais do SP-98. Jogo contra o Corinthians de Luxemburgo, no Morumbi. O argentino Javier Castrilli só fez lambança. Os quatro gols com erros de arbitragem. O último, o pior de todos: bola no peito do zagueiro César virou pênalti para o Corinthians. Rincón fez 2 a 2. O empate era alvinegro.

Mas Dener voltara a ser rubro-verde. Na saída de bola, recebeu de Evair, driblou Vampeta, Rincón, Romeu, deu um drible-da-vaca em Cris e, na saída do goleiro Nei, tocou por cobertura. Eram 51 minutos do segundo tempo. 3 a 2 Lusa. Portuguesa classificada.

Não houve gol mais celebrado na história da Portuguesa. Não houve vitória mais absurda da Lusa.

Na final do SP-98, Raí reestreou pelo São Paulo definindo o título para o Tricolor. Suspenso pelo terceiro amarelo, Dener fez muita falta na final. Como, para muitos, também fez na Copa de 1998. Quando Romário foi cortado por lesão, muita gente queria Dener no time de Zagallo. O treinador preferiu levar o volante Emerson, ex-companheiro de Grêmio…

Decepcionado por perder mais uma Copa, Dener aceitou a proposta do Benfica. Seria a segunda passagem pela Europa.

Não aguentou seis meses.

Em janeiro de 1999 foi contratado pelo Vasco para a campanha do bi da Libertadores. O clube só estrearia no mata-mata. Possivelmente contra um clube brasileiro.

Um acidente automobilístico na Lagoa impediu mais uma conquista de Dener.

Mais um sonho de quem gosta de futebol.

Mais um desejo de quem adora pensar o que poderia ter sido.

E ter quase que a certeza de que, com Dener, poderia ter sido mesmo muito mais.

Faltava alguma coisa para ele em campo. Talvez nunca conseguisse, como aqui tentei conjecturar se ele tivesse tido ao menos mais cinco anos de vida e de carreira.

Talvez fosse nada.

Com a idade ele acabaria amadurecendo. Acertando ainda mais o pé e a cabeça menos reta que os desvios que ele tomava em campo com a mesma facilidade com que escolhia os desvios da vida reta.

Não sei. Ninguém saberia.

Mas sei que, para mim, vai ficar sempre aquele gosto amargo daquela linda tarde de sol de abril de 1994, no cemitério do Araçá, quando Dener estava sendo enterrado por centenas de camisas da Portuguesa.

E do Brasil, Corinthians, Vasco, Grêmio, Palmeiras, Santos, São Paulo.

Aquela tristeza da tarde linda de outono pensando numa vida que já deveria ser mais brilhante. E que estava sendo sepultada sem explicação.

Acho mesmo que Dener acabaria não sendo tudo que ele poderia ter sido.

Mas eu tenho quase certeza que, na casa da Portuguesa, algo ele teria feito.

Aqui eu chutei que ele fez o terceiro gol da Lusa no SP-98, superando o rival e Castrilli.

Talvez não fosse mesmo campeão paulista de 1998.

Mas alguma coisa do tipo ele teria feito.

Para a alegria dessa gente de verde e vermelho que chora pela Lusa hoje. Que chora sempre pela volta de Dener. O Dom Sebastião do Canindé.

Dener, desculpa se eu abusei do direito de pensar no futuro do pretérito.

Mas é que você nos fez sonhar com coisas que pareciam possíveis e acabaram numa curva da madrugada.

Um cara como você nos levava a isso. A pensar em algo sempre melhor.

Saudade, Dener, de um jogo que você não pôde jogar.