IDA E VOLTA

A reação da cartolagem nacional à medida provisória do refinanciamento das dívidas dos clubes foi exatamente a que se esperava de quem se serve do futebol há décadas. Os presidentes de federações, entidades das quais o esporte não precisa, colaram-se em suas poltronas e bradaram que delas ninguém jamais os afastará. Apelaram até à Constituição Federal, exibindo dramático desconhecimento do assunto.
Por mais repugnante que soe a grita em relação ao que a MP determina sobre alternância de poder (mandatos de até quatro anos, com apenas uma reeleição), não se pode acusar esses dirigentes de incoerência. Ao estender a mão para que clubes eternamente endividados possam se reerguer e devolver à União o que tomaram, o texto apresenta as “condições de pagamento”. Uma delas diz que aqueles que aderirem ao financiamento só poderão disputar competições organizadas por entidades com limites de mandatos. Aí está a origem da dor na lombar de tantos abnegados.
Os clubes do futebol brasileiro devem cerca de 4 bilhões de reais. A MP assinada na última quinta-feira lhes oferece uma sanfona de vinte anos, com abatimentos em juros e multas. As parcelas serão pagas com percentuais do faturamento anual nos primeiros três anos. Depois, pagamentos iguais quase a perder de vista. É um plano de recuperação financeira que se pode chamar de caridoso, única forma de saldar um valor astronômico. Mas a mesma mão que afaga os endividados levanta o dedo para que não ignorem as contrapartidas. Cartolas predadores adoraram as facilidades e odiaram as regras para ter acesso a elas. Típico.
No caso dos dirigentes de federações, os interesses ficaram evidentes quando o alvo das críticas foi o limite de reeleições. Eles até aceitam as medidas saudáveis para os clubes e o rascunho de um ambiente profissional que tenha alguma chance de salvar o futebol brasileiro como produto, desde que possam ficar em seus gabinetes pelo tempo que quiserem. Desde que seus planos de perpetuação não sejam afetados por uma nova maneira de administração, mudança crucial para o avanço do esporte no país.
A nova estrutura proposta pela medida provisória é o primeiro passo na reforma do modelo de gestão CBF-federações-clubes, em que a confederação é um banco, as federações são cartórios e os clubes são perdulários que vivem de fraudar o seguro-desemprego. Aqueles que reclamam ou não compreenderam o impacto do texto ou trabalham pela manutenção deste modelo, que, apesar de trágico, atende aos interesses de muitos.
A inclusão das contrapartidas foi uma vitória importante, uma vez que os textos anteriores pareciam ter sido escritos pelas cartolas das quais o futebol brasileiro precisa ser protegido. Mas o jogo decisivo – e por isso muito mais difícil – será disputado no Congresso Nacional, onde políticos a serviço da estrutura que gerou uma dívida praticamente impagável não terão vergonha de defender o atraso.