Pelé é o maior de todos. O atleta do século XX! Um mito! O jogador de futebol mais completo que já existiu. Fez gols de todas as formas possíveis e imagináveis. É o Deus do esporte mais popular do globo terrestre. Até mesmo gols perdidos seus viraram obras-primas, poderiam figurar em pinacotecas de quadros vivos da bola, como o drible da vaca no uruguaio Mazurkiewicz. É uma figura adorada, idolatrada, salve, salve! Seu jogo foi perfeito, infalível, de mais de mil gols, mais de mil socos no ar, mais de mil glórias. Milhares de palmas são insuficientes. Vida longa ao Rei!
Ufa… Depois deste necessário preâmbulo para falar do maioral da bola, peço vênia à majestade para referir-me à sua face humana, Edson Arantes do Nascimento. Este, ao contrário daquele, erra, faz parte dos mortais. Pisa na bola, coisa que, se fez alguma vez no gramado, Pelé logo corrigiu com um gol de letra, de primeira, esquerda ou direita, cabeça ou qualquer outra forma do seu infinito repertório concedido pela genética ou por alguma divinidade que o escolheu a dedo. É preciso antes idolatrar Pelé – uma redundância diante da história – para poder então criticar as opiniões de Edson, algumas bastante controvertidas. Sem deboche, pois mesmo com a distinção de figuras Pelé e Edson habitam o mesmo ser. Aproveito aqui a separação que o próprio sempre fez entre o homem Edson e o jogador Pelé. Diferença que ajuda a aliviar culpas, como a deste escriba, fã ardoroso de Pelé e que, assim, sente-se mais confortável para discordar de Edson sem trair suas mais arraigadas paixões.
Edson, um negro que, na pele de Pelé, conquistou o Brasil e o mundo, não viu com bons olhos a reação do goleiro Aranha aos insultos racistas que recebeu. Para sustentar seu argumento, lembrou, vejam só, de Pelé, seu alter ego, que, segundo ele, ouviu muitos xingamentos do tipo na carreira e não reagia porque se o fizesse pararia uma quantidade enorme de jogos. Então deveria tê-lo feito. Imaginem se nas décadas de 60 e 70, no seu auge, o maior dos jogadores se revoltasse ao ser chamado de “macaco ou crioulo” e forçasse a paralisação desses jogos? A repercussão, mesmo em tempos bem menos midiáticos, seria provavelmente ainda maior que a do goleiro. Caso se recusasse a jogar enquanto ofendessem sua dignidade, Pelé teria durante sua brilhante carreira erguido uma bandeira com ressonância talvez maior que o famoso clamor para que o país olhasse para as crianças pobres, feito após a marcação do milésimo gol, no Maracanã. Imagine o que não contribuiria para a causa do combate ao racismo uma postura dessas vindo de um jogador que todos queriam ver? Seria uma espécie de Martin Luther King de chuteiras ou um Mandela dos gramados.
Edson certamente não teve a intenção, mas acabou fazendo uma defesa da tolerância ao racismo nos estádios. Pediu que os atletas negros sejam cordeirinhos, meninos de engenho calados diante das línguas em forma de chibata dos ignóbeis que frequentam arquibancadas e estão por aí, nos recantos das cidades. Pelé fez gols de placa. Edson às vezes faz gols contra.
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