O livro “O Corpo no Limite”, escrito há dez anos pelo médico americano Kenneth Kamler, documenta o que acontece com o organismo humano quando levado aos extremos de sua resistência. São experiências de um especialista em situações em que a sobrevivência é ameaçada por condições para as quais a evolução não nos preparou. Kamler esteve na altitude, no deserto, nas geleiras, no fundo do mar, acompanhando casos que comprovam que o corpo humano, por vezes tão frágil, é capaz de suportar as piores provações e se manter funcionando. A vida se apega a aliados surpreendentes e, contrariando as probabilidades, prevalece.
Se o futebol brasileiro fosse uma pessoa, Kamler se sentiria obrigado a adicionar ao livro um capítulo sobre o tratamento desumano que recebe e sua capacidade de seguir em frente. Um ser moribundo, cada vez mais privado de suas necessidades básicas, forçado a desempenhar seu papel como se nada lhe faltasse. A diferença para os episódios que o médico observou em ambientes inóspitos é que ele estava ali para ajudar com seu conhecimento e o que estivesse a seu alcance. Diante do nosso ente enfermo, Kamler se veria impotente e assustado.
Na semana de estreia do Campeonato Brasileiro de 2014, competição premium do futebol no país, times entraram e saíram da tabela de jogos da Série A por força de decisões da Justiça. O vexatório espetáculo dos auditores do STJD, um tribunal que julga o que quer, como quer, sem nenhum compromisso com a salvaguarda do jogo ou com o senso do ridículo, plantou em dezembro do ano passado a colheita que se faz agora. Os casos da Portuguesa e do Icasa têm em comum o mais absoluto desprezo da CBF pela governança do campeonato mais importante do Brasil. Nenhum organizador minimamente preocupado permite que seu produto seja exposto dessa forma. O Brasileirão é um cardíaco com dores no peito, à espera de atendimento no corredor do hospital, enquanto os médicos fazem um churrasco.
Na mesma semana, o comando da confederação passou de Marin/Del Nero para Del Nero/Marin. Há quem diga que a configuração que emergiu da eleição nada mais é do que a oficialização do que sempre ocorreu, com o presidente de direito (graças à data de nascimento) cumprindo ordens do presidente de fato, que agora acumula os cargos. Marin retorna ao posto de vice mais velho, especialidade de quem sempre viveu à espreita. Del Nero foi aclamado pelos clubes que o conhecem e o merecem. Crianças de meia idade que ainda moram com os pais e vivem de mesada. Imaturas, medrosas, incapazes.
O doente está sofrendo. O corpo grita e a cabeça dói, porque percebeu que o remédio não virá. Mas o doente perdeu o medo de reclamar. Nesta semana simbólica, ele falou por intermédio do meia Ruy, sem trabalho após a saída do Mixto da Copa do Brasil: “Agora, o pessoal da CBF… não vai faltar pão e não vai faltar café no café da manhã, porque eles estão de terno e gravata, estão sentados em cima de uma máquina que gira dinheiro, só que eles são uma cambada de incompetentes. Os caras não conseguem fazer um calendário digno em um país como esse”.
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