Sempre que possível, não dispenso um joguinho de botões com os amigos. Temos até uma sala num clube da cidade, onde nos reunimos regularmente para as mais acirradas disputas.
As peças de jogo, que antigamente eram tampas de relógios e botões extraídos sorrateiramente dos capotes de nossos avós, hoje são feitas em acrílico, torneadas e polidas. Uma beleza. As mesas de jogos, sobre cavaletes, dão lugar a verdadeiros clássicos. Dizer jogo de botão é forçado hábito, a denominação oficial é Futebol de Mesa. Ao praticante damos o nome de botonista. A modalidade é reconhecida pelo Conselho Nacional de Desportes e administrada pela Federação. Tudo organizado e muito sério.Mas, a despeito de qualquer seriedade, o jogo proporciona, inclusive aos marmanjos, fantasias sem limites.
Estou falando, por exemplo, dos botões que deslizam sobre o tablado transformados nos craques de nossa preferência, sejam eles da época atual ou de um passado distante. O goleiro está longe de ser um simples retângulo de acrílico; estica-se como borracha para arrebatar a bola, pelo menos na imaginação, e isso é o que importa. Falar que a bolinha bateu sobre o botão e saiu para fora da mesa seria, no mínimo, leviano. O melhor é reconhecer que foi uma admirável intervenção de cabeça com o desvio da bola para a lateral do gramado. Ah! Fantástica imaginação. A propósito, vou contar-lhes uma história: Não faz muito tempo participei de um torneio onde meu grupo enfrentou jogadores de outro clube. Meu adversário, um senhor de seus quarenta anos de idade, aguardava minha presença junto à mesa de jogo enquanto limpava mecanicamente seus botões com um pedaço de flanela surrada.Cumprimentou-me secamente e voltou a cuidar de seu time.As outras mesas já estavam ocupadas pelos demais botonistas e os jogos foram iniciados poucos minutos depois. Tive que reconhecer o bom desempenho do meu adversário.
Habilidoso nos toques e preciso nos arremessos, abriu uma vantagem de dois gols no primeiro tempo. Durante o jogo, e mesmo no intervalo, não teceu comentários e tampouco demonstrou qualquer tipo de emoção, mesmo diante dos gols conquistados. Com o jogo quase por terminar, meu carrancudo adversário, tão frio quanto seus botões, prestes a conquistar uma vitória por uma diferença de três gols, permanecia impávido. Não movia um único músculo da face. Acostumado às eufóricas manifestações de meus amigos diante das mais simples jogadas, sentia-me pouco a vontade com sua postura grave, a qual sugeria o completo embotamento da imaginação, da fantasia e do entusiasmo. Tão logo terminou o jogo, para a minha surpresa, ele abriu um largo sorriso. Parecia aliviado de uma grande expectativa. Depois,voltando-se para mim, falou com um suspiro: — Acho que eles se redimiram de seus erros. — Quem? — perguntei sem entender.Com um movimento de cabeça ele indicou seus botões ainda espalhados sobre a mesa e esclareceu: — Nos meus últimos cinco jogos não ganharam uma partida sequer. Este aqui, por exemplo, o meu melhor atacante, perdeu mais de 20 ou 30 gols. Quando mais se precisa deles, não correspondem. Ainda que a contra gosto estava pensando em trocá-los, mas talvez não seja mais necessário. — Acho que hoje recuperaram o prestígio — comentei com humor, sem poder acreditar em tão inesperada transformação. — Sem dúvida, embora o goleiro tenha ajudado bastante, principalmente naquela última defesa com as pontas dos dedos — concluiu satisfeito, recolhendo seus botões e dirigindo-se calmamente para uma outra mesa. Haja imaginação — “pensei com meus botões”.
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